Com base em tudo que desenvolvemos — a ideia de que vivências se tornam experiências quando são narradas e compartilhadas, a importância do imaginário como sustentação do desejo e da vida psíquica, e o paradoxo da fantasia na clínica — aqui vai uma pergunta:
1- Qual a relação entre a dificuldade de fantasiar e o desenvolvimento da depressão?
Antes de responder de forma mais direta esta pergunta, preciso destacar a importância da fala dentro da psicanálise, se não existe a fala que é trazer o que está dentro do nosso ser, não existe clínica, não existe psicanálise.
Dentro desta afirmação faço um link com a minha outra formação que é a teologia, o estudo de Deus, que tem como livro texto a Bíblia e nela encontrei uma ressonância muito grande com afirmação acima e que ao fim desta dissertação, mostrarei que tem muito haver com a dificuldade de fantasiar e consequentemente com a instalação de um processo depressivo.
Mas voltando a minha afirmação, se não existe fala, não há clinica e nem psicanálise, dentro da teologia, encontramos no livro texto a seguinte experiência vivida por um dos seus personagens chamado rei Davi, ele diz o seguinte: Salmo 32.3 e 4
³ Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia.
⁴ Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor se tornou em sequidão de estio.
Na experiência do salmista percebemos que enquanto ele não deu forma, simbolizou os seus pecados, duas consequências tomaram conta da sua vida, os seus ossos que a última camada que se deteriora do ser humano, envelheceram tornaram-se quebradiços, ou seja, aquilo que o sustenta, agora o joga ao chão, também ele diz que o seu vigor e aqui, será que seria exagero eu interpretar como a sua “libido”?
Creio que não!
Pois ela se tornou em sequidão de estio, ou seja, uma terra desértica, sem água, a aridez, a negação da vida inundou o seu ser.
Pois diante deste quadro aterrador, o salmista apontou também o caminho da cura, veja como ele expressa verdade.
Salmo 32.5
⁵ Confessei-te o meu pecado e a minha iniquidade não mais ocultei. ao Senhor as minhas transgressões; e tu perdoaste a iniquidade do meu pecado.
No abrir dos lábios o reequilíbrio aconteceu, na linguagem teológica, houve uma cura, mas na psicanálise houve uma resolução, uma elaboração do conflito.
Agora o que isto tem a ver com a dificuldade de fantasiar e o desenvolvimento da depressão.
Pelo que pude absorver, a depressão nasce exatamente na dificuldade que o ser humano tem de simbolizar, colocar para fora o que está em seu coração/mente, pensei isto da seguinte forma.
A ausência da fantasia, da simbolização está presente na vida do ser humano, mas em algumas pessoas, ela atingi um grau tão elevado que leva a depressão.
Deixe-me dar um exemplo do que compreendi, as vezes dizemos:
- Estou com uma vontade de comer algo diferente; e alguém pergunta:
- Mas comer o que?
Respondemos:
- Não sei!
Esta ausência de fantasiar pode ser solucionada quando esta mesma pessoa, vai para cozinha, coloca um pouco de azeite na frigideira, dois ovos, mexe-os e aplica um pouco de farinha de milho, acrescenta queijo e meia banana nanica e por fim uma boa pitada de açúcar.
Uma farofa que acompanhada de um belo café, coado na hora, irá faze-la dizer:
- Era isto que eu precisava!
Neste curto relato percebemos que ela não só simbolizou, mas de uma forma concreta, trouxe a sua fantasia para realidade.
Agora imagine alguém dizendo:
- Esta manhã estou “down”, sinto que não deveria ter acordado.
E você pergunta:
- Mas o que você está sentindo?
- Não sei! Você responde.
- Aconteceu alguma coisa?
- Nada de extraordinário, mas só sei que não estou me aguentando.
Este não saber, esta “falta” que não é simbolizada e que persisti, não por um tempo de modo esporádico, mas avança por dias, meses é o nascedouro de um processo depressivo, como afirmou Maria Rita Kehl:
“O deprimido é aquele que não consegue dar sentido imaginário para a vida”
Pensar e colocar-se no lugar de uma pessoa que não consegue dar expressão, ao que vai em seu coração é terrível!
Posto isto, a relação entre a dificuldade de fantasiar e o desenvolvimento da depressão é fundante, nesta equação encontramos o nascedouro do processo depressivo.
Agora fecho com um ponto pessoal, olhando para as minhas formações teologia e começando a psicanálise, a cura vem pelo abrir do coração ou na linguagem psicanalítica da simbolização, nas palavras do mestre: “a boca fala do que está CHEIO, o coração” e este CHEIO, diz respeito ao que transborda, que as comportas não conseguem segurar e fazer isto em um ambiente seguro, ou seja, não como um estouro, uma explosão desorganizada, mas como um ato voluntário, é curador e também libertador!
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